segunda-feira, 16 de setembro de 2013

AS REGIÕES E A REGIONALIZAÇÃO DA BAHIA NA OBRA DE MILTON SANTOS (1950-1960) – UMA LEITURA DAS IDÉIAS GEOGRÁFICAS EM SEU UNIVERSO SOCIAL




postado pelo licenciando Mateus Queiroz




AS REGIÕES E A REGIONALIZAÇÃO DA BAHIA NA OBRA DE MILTON SANTOS (1950-1960) – UMA LEITURA DAS IDÉIAS GEOGRÁFICAS EM SEU UNIVERSO SOCIAL
Renato Leone Miranda Léda
DG/UESB; renatoleda@uol.com.br
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010.
ISBN 978-85-99907-02-3

INTRODUÇÃO
         
            Este trabalho se insere numa pesquisa mais abrangente em andamento sobre a
geografia histórica das regiões da Bahia que contempla, como um de seus objetivos,
identificar e analisar os temas, problemas e abordagens priorizados nos estudos sobre a
formação e/ou reestruturação das regiões da Bahia, na segunda metade do século XX. No caso específico, cumpre retomar o legado de Milton Santos, na primeira fase de sua obra marcada pela ênfase nos estudos urbanos e regionais da Bahia, em face à sua contribuição para melhor compreender a configuração regional do território baiano, sobretudo nos anos1950. O trabalho se organiza em dois planos de análise distintos, porém articulados. O primeiro plano de análise se concentra na caracterização da sociedade baiana no período considerado, no sentido de situar a trajetória da produção deste geógrafo brasileiro em conformidade com o contexto histórico e as circunstâncias geográficas a partir dos quais elaborou seus trabalhos, levando em conta sua inserção nos círculos intelectuais e políticos da época e do lugar que constituíam o ambiente no qual se conformavam as condições sociais de produção da idéias, especialmente suas idéias sobre região e regionalização. No segundo são destacados os conteúdos, as opções teóricas e metodológicas, as questões levantadas e as linhas de interpretação que o autor desenvolve na produção do conhecimento, mapeando e esmiuçando a regionalização do estado da Bahia na época. A conjugação desses dois planos de análise proporciona uma visão mais acurada e abrangente, não da obra em si mesma, mas de como o autor foi capaz de apreender a dinâmica da formação e das transformações das regiões e do conjunto do território baiano naquele momento de mudanças marcantes na economia e na sociedade do estado e do país, além de agregar um importante subsídio para o conhecimento da geografia histórica da Bahia, conforme os marcos e os limites teóricos e políticos de um observador e intérprete situado em seu tempo e espaço. Ao fim, são sugeridas conclusões preliminares e questões para aprofundar a investigação.


UM CONTEXTO RELEVANTE: A BAHIA NOS ANOS 1950/60
             A década de 1950 foi decisiva para acelerar a lenta e contraditória transição da
“velha” Bahia agrária para a “nova” Bahia urbana e industrial, sob novo contexto em âmbito nacional e seus desdobramentos e interações regionais: deslocamento do core econômico do Recôncavo açucareiro em crise para o Sul cacaueiro em expansão, tímido crescimento dos ramos tradicionais da indústria baiana e reafirmação do papel de Salvador como porto e praça comercial (SANTOS, 2008, p. 47), por onde passavam as transações mercantis e financeiras vinculadas aos diversos produtos primários de exportação (cacau, fumo, açúcar, sisal, mamona etc.), processos geoeconômicos articulados à recomposição de um bloco de poder de bases oligárquicas e pós-escravistas no estado, frações das classes dominantes impelidas e forjar compromissos e a formatar alianças com o governo federal, na base da acomodação de interesses que possibilitaria a condução da industrialização, promovida pela implantação da Petrobras, no conjunto das intervenções desenvolvimentistas, mas preservando, no plano estadual, o modelo patrimonial e clientelista das elites políticas baianas.          

            As mudanças econômicas, urbanas e regionais em curso na Bahia, sobretudo em
Salvador e em seu entorno devido à instalação da indústria petrolífera e da consequente
formação de um operariado, contrastavam com as estruturas sociais e políticas herdadas do passado latifundiário, oligárquico e mercantil. Além disso, o caráter predominantemente rural da população com reduzida capacidade de consumo e reduzido acesso aos serviços públicos essenciais de educação e saúde, fatores aliados à precariedade das infra-estruturas de transportes e comunicações, com uma rede urbana débil no interior, dificultavam a formação do mercado interno e a integração inter-regional e interestadual, condição de organização do espaço que debilitaria o “quadro da economia baiana”, pois “só tem contribuído para reforçar tanto a posição de Salvador como os laços de dependência com as metrópoles do Sul do país”, diagnosticava Milton Santos (1964, p. 121). Nesse aspecto da articulação física e econômica do território baiano e de suas regiões deve-se observar que a implantação de ferrovias, entre 1870 e 1930, apesar de alguns efeitos locais e regionais na dinamização do comércio e na urbanização em algumas áreas sob a influência direta das estradas de ferro, teve desdobramentos limitados quanto à articulação econômica da Bahia. Nesse contexto, “o desenho regional da velha Província, decalcado nos antigos caminhos dos tropeiros, na navegação costeira e fluvial e num conjunto de estradas de ferro [...] seria, a partir da segunda década do século XX, completamente modificado” [...]. Com o predomínio transporte rodoviário, já no intervalo entre os anos 30 e 50, “as diferentes regiões passariam a ter outro formato, a estabelecer outros vínculos e prioridades, constituindo não mais um espaço articulado, pensado e desenvolvido em torno da sua capital Salvador – mas um conjunto formado de verdadeiros pedaços” (FREITAS, 2000, p. 24).
          
Como argumenta Francisco de Oliveira, corroborando a caracterização do contexto baiano, entre o início e meados do séc. XX se mantêm as características socioeconômicas de Salvador como sede do capital bancário que controla excedente dos produtos de exportação e débil indústria, sob comando político de forte oligarquia, num quadro de letargia no qual uma população de “não-reconhecidos”, pessoas precárias numa ordem que não é mais escravocrata nem é burguesa na qual as formas de resistência cultural dos dominados acabam por ser assimiladas por categorias dominantes (OLIVEIRA, 1987, p. 35). Na Bahia, no período aludido, a divisão social do trabalho era pouco desenvolvida em termos capitalistas. A economia se restringe a circulação de excedentes da oligarquia financeira que alimenta a vida de “expedientes” que alimentava uma “sociedade de dissimulação”, discursos recorrem ao plural para negar o singular. Ou seja, no transito entre a objetividade das estruturas sociais e a subjetividade das representações, dissimulava-se uma condição que não se trata ainda de uma sociedade de classes, pois a divisão social do trabalho não a legitima no plano das relações de produção nem os discursos de dominados e dominantes [não] se entre – reconhecem. (, 1987, p. 36). No período pós-1950, a reprodução da força de trabalho será, cada vez mais, calcada na forma salário, num percurso comandado pelo capital e pela metamorfose das classes e produção de novas classes, processo determinado pela subordinação da oligarquia financeira na nova divisão inter-regional capitalista do trabalho no Brasil. Complexa rearticulação de interesses à escala nacional da qual a velha oligarquia financeira baiana participa em sua pretensa metamorfose burguesa. (1987, p. 40).
Esse cenário contraditório era o pano de fundo de um ambiente político e cultural que impulsionou o debate e as iniciativas em torno do planejamento e do desenvolvimento, em plano estadual, conformando círculos intelectuais, acadêmicos e de instituições governamentais nos quais Milton Santos participaria.
           Nesse contexto, o governo de Antônio Balbino (1954-1959) fora marcado por uma conjugação de fatores favoráveis à elaboração de um discurso que “reunia elementos de desigualdade regional no Brasil com os de identidade baiana. Foi o período do planejamento estadual corporificado na liderança de Rômulo Almeida” (PEDRÃO, 1996, p. 58), economista que criou e presidiu a Comissão de Planejamento Econômico – CPE, em 1955, órgão que foi o núcleo do planejamento econômico do Estado da Bahia e que viria a ser
assumido por Milton Santos em maio de 1963, no governo de Antônio Lomanto Júnior
(1963-1967), com o status de secretário de Estado, equivalente à pasta de planejamento,
cargo que ocuparia por menos de um ano, tendo em vista o golpe militar de março de 1964 (SILVA, 1996, p. 159).
            A atuação de Rômulo Almeida à frente do sistema de planejamento estadual refletia suas concepções e seus posicionamentos, no plano federal (foi assessor econômico do segundo governo Vargas, no ISEB e no BNDE), favoráveis a um “desenvolvimento modernizante” e de base nacional, com forte vinculação com o Banco do Nordeste e a SUDENE. No entanto, conforme argumenta Fernando Pedrão (1996) a racionalidade modernizante do planejamento capitaneado por Almeida sofreu o confronto dos interesses mercantis e rurais que levaram Juracy Magalhães ao governo estadual entre 1959 e 1963, imprimindo uma administração econômica coerente com essa composição, impedindo a continuidade do trabalho concebido pelo citado economista à frente da CPE. Tal linha de
ação tinha perspectivas de ser retomada em 1963, embora num cenário político nacional bem mais tenso e conturbado, com a posse do governador Lomanto Júnior que representava uma espécie de “militância municipalista” com requerimentos de interiorização do poder em face da centralização política e econômica na capital, mas revelava também a “ausência de uma visão de conjunto da realidade estadual que permitisse formular ou alterar uma política
econômica estadual” (PEDRÃO, 1996, p. 59).
Esses seriam, em largos traços, os componentes sociais e políticos do ambiente no qual
Milton Santos já se destacava como professor e pesquisador e no qual se engajaria
politicamente. Segundo Fernando Pedrão, Milton Santos se identificava com o municipalismo
o que “tornava-o um quadro essencial para uma identificação desse governo interiorano que
fosse aceita pela classe média urbana”, posição que seria respaldada por seu trabalho
acadêmico o que faria dele “um dos principais legitimadores do governo Lomanto Junior” perante a intelectualidade baiana, especialmente entre os quadros técnicos do planejamento. À frente da CPE Milton Santos buscou retomar temas da política econômica estadual e do planejamento regional, inclusive em dissonância com os vícios oligárquicos do municipalismo do governo, deparando-se com grandes obstáculos administrativos e políticos que limitaram sua atuação. É nesse universo social e nessa conjuntura política que amadurecerá suas idéias e se afirmará como pesquisador e intelectual, investindo na produção do conhecimento geográfico, com amplo destaque para os estudos regionais da Bahia.
OS ESTUDOS REGIONAIS: DOS GÊNEROS DE VIDA ÀS REDES URBANAS
            Por outro lado, são conhecidas as notórias influências dos geógrafos franceses e da geografia produzida pelos mestres brasileiros dos anos 1950 na obra do autor, bem como sua atuação destacada nos fóruns da geografia e sua mobilização para estabelecer intercâmbios científicos em vários âmbitos, destacando sua colaboração com Jean Tricart em algumas publicações e na criação do Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, na Universidade Federal da Bahia, em 1959. Essa conjugação de cenários e de circulação de idéias e visões de mundo em confronto na época contribuiu para as escolhas políticas e teóricas que se expressaram no tipo de engajamento e de produção intelectual de Milton Santos, em sua capacidade de assimilar os principais avanços da ciência geográfica e, ao mesmo tempo, construir um acervo de conhecimentos de forma própria e inovadora, sempre situada social e geograficamente, o que se revelaria de modo mais acabado em seus futuros
trabalhos sobre a urbanização nos países subdesenvolvidos.
         
São especificamente do período aqui considerado os textos do autor, relacionadas ao tema e consultadas neste trabalho: Os estudos regionais e o futuro da geografia (1953), A cidade de Jequié e sua Região (1956), Zona do cacau (1957), O problema da divisão regional da Bahia (1958), Zonas de influência comercial no Estado da Bahia (1958), A cidade como centro de região (1959), A rede urbana do Recôncavo (1959), além de O centro da cidade do Salvador (1959), entre outros trabalhos que tomam municípios como objeto/escala de análise, ou aqueles que abrangem problemas geográfico-econômicos do território baiano com um todo. No conjunto dos estudos regionais contemplados observa-se, numa primeira aproximação, o clássico modelo metodológico da geografia regional, no qual os conceitos de gênero de vida e habitat eram centrais. Nele o meio físico representava um capítulo inicial, obrigatório, mas muitas vezes minimizado pelo autor na definição das regiões
geográficas, como síntese dos elementos presentes na paisagem, destacando os “fatos
humanos” e a dimensão econômica da exploração direta da natureza e das atividades “mais independentes” dos recursos naturais. Considerava que os estudos regionais descritivos enfatizavam os “aspectos conservadores” da influência do meio físico, abordagem anacrônica em relação a uma época de mudanças técnicas e econômicas que se manifestavam pela urbanização e crescente influência das cidades como fator de “organização do espaço”, o que o levou a formular alguns dos primeiros estudos, no Brasil, a destacar a importância e a necessidade de uma “divisão regional” baseada na hierarquia das cidades e nas “zonas de influência urbana”, conforme a aglomeração das atividades econômicas nos centros urbanos e a configuração das redes de transporte que articulam as áreas no entorno das cidades e seu papel de coordenação e direção sobre a produção, também reflexo de seu diálogo com Michel Rochefort, cujo método de análise da centralidade urbana iria discutir e aplicar aos estudos regionais da Bahia.
              
 Assim, no clássico “Zona do Cacau – Introdução ao Estudo Geográfico” (1957 [1955]), provavelmente inspirado em “Pioneiros e Plantadores” de Pierre Monbeig como “modelo de pesquisa” (MAMIGONIAN, 2005, p. 51), Milton Santos propõe a adoção conjunta de critérios econômico e geográfico (explicação dos limites da zona produtora de cacau com base na sua “ecologia muito exigente”, especialmente quanto ao fator clima), necessária para formar uma unidade, um “todo” coerente, passível de estudo geográfico em sua extensão contínua, definida como área econômica ou domínio da produção de cacau. Mas, a despeito de tomar o quadro natural como base física a partir da qual se desenvolve a cultura do cacau e a correspondente ocupação do território, prevalecerá a ênfase econômica na delimitação e explicação da “zona” e da “região”, conceitos que o autor discute e aplica à sua área de estudo.

Pode-se, também, falar da existência, na Bahia, de uma verdadeira região
cacaueira, isto é, uma área maior de que faz parte a zona cacaueira, e que a ela
está intima e funcionalmente ligada. É um fenômeno muito comum aos países
novos e que aqui se desenvolve sob as nossas vistas: a formação de uma
região. [...] Nasce assim, abrangendo a zona cacaueira, e às suas custas, isto
é, às custas de suas necessidades e de seus capitais, uma verdadeira região, a
região cacaueira, cujos limites não são muito definidos, nem definitivos, mas
cuja realidade se constata não apenas pelas linhas de transporte que se
estabelecem, cada vez mas densas e profundas, mas pelas trocas comerciais e
de toda natureza, cada vez mais intensas. (SANTOS, M., 1957, p. 14-5).


           É possível perceber, nesse trabalho sobre a zona cacaueira que sua concepção de
“estudo geográfico” estava, em princípio, pautada pelas matrizes clássicas da disciplina, isto é, na tentativa de mostrar “como os elementos nela presentes agem entre si, como a terra e o homem puderam harmonizar-se na formação de uma personalidade regional bem diferenciada”, relação homem – meio característica, cujo “traço de união (...) é o gênero de vida”, constituído em função da cultura do cacau, “responsável por inúmeros traços de seu ‘habitat’” (SANTOS, 1957, p. 7). Porém, é notória também a incorporação de questões atinentes à dinâmica socioeconômica, à modernização, à urbanização e às transformações do território, transitando para enfoque e preocupações que refletiam outras leituras e influências intelectuais e políticas, sobretudo a de geógrafos franceses que, na época, se postavam na vanguarda da produção científica nessa área de conhecimento e à esquerda do espectro ideológico, tais como Pierre George e Jean Tricart.

Essa transição, no período aqui abordado, não implicava um abandono ou ruptura com o paradigma clássica, mas uma possível tentativa de atualização e enriquecimento das tradições do pensamento geográfico, o que se evidencia nos seus trabalhos sobre centralidade e redes urbanas. Em “A cidade como centro de região” (1959) discute o conceito de cidade como “forma particular de organização do espaço, uma paisagem” e um centro que “preside as relações de um espaço maior ao seu derredor: uma zona de influência”, destacando que a centralidade é a característica fundamental da cidade como fenômeno geográfico, dela derivando as relações hierárquicas entre as cidades e suas necessárias relações com o mundo exterior, processos que definem a rede urbana em face às funções e ao dinamismo do “organismo urbano”. No referido texto Milton Santos discute a aplicação do método Rochefort “modificado” ao Recôncavo e à zona cacaueira da Bahia chegando à conclusão de que “numa mesma rede urbana a comparação de hierarquias se torna inválida se, no espaço que ela compreende, os gêneros de vida e os processos de elaboração urbana são diferentes”, acrescentando que o referido método “não dá bons resultados [...] em regiões urbanas constituídas de zonas econômicas e demograficamente heterogêneas” (1959, p. 28).

REGIONALIZAÇÃO, SUBDESENVOLVIMENTO, PLANEJAMENTO: UMA VISÃO GEOGRÁFICA DA BAHIA EM SEU CONJUNTO E DIVERSIDADE

               A abordagem de problemas econômicos pelo prisma da organização do espaço se coadunava com uma clara preocupação com a aplicabilidade da regionalização para o
planejamento, inclusive com menções críticas ao liberalismo e com o apelo ao Estado como agente condutor do desenvolvimento, para o que os estudos geográficos poderiam servir como subsídio para a “localização dos serviços públicos e para a organização administrativa”, ecoando as perspectivas de uma “geografia aplicada”.

Para atingir esse objetivo não têm que ser levadas em consideração as
condições do meio físico, pois o fato essencial a ser observado é a
organização do espaço por intermédio das organizações urbanas. Essa
organização do espaço pelas cidades nada tem a ver, como se sabe, com os
dados físicos, não sendo raro que algumas das capitais regionais presidam a
uma área fisiograficamente heterogênea, como é o caso de feira de Santana e
Jequié, por exemplo. Os fatos a examinar são, pois de ordem humana.
(SANTOS, 1958, p. 22).
             Os “fatos humanos” destacadas dizem respeito, essencialmente, à aglomeração das atividades econômicas nos centros urbanos e a configuração das redes de transporte que articulam as áreas no entorno das cidades. Havia também uma clara preocupação com a aplicabilidade da regionalização para o planejamento. Assim, esse tipo de divisão regional poderia “servir de base para estudo de intercâmbios comerciais, para a localização dos serviços públicos e para a organização administrativa” (1958, p. 17).
            

            Refletindo o que parecia mais avançado em termos de uma efetiva contribuição das ciências humanas, da geografia em particular, para a modernização da sociedade e a
superação do subdesenvolvimento, a intensa produção e militância intelectual de Milton
Santos no período 1950/60 estaria, sob muitos aspectos, marcada pela assimilação de
inovações teóricas e metodológicas sem rupturas paradigmáticas, por um lado, e por outro, pela relação com o planejamento estatal, elementos característicos da geografia brasileira que, segundo BONFIM (2007), seguindo as reflexões de ESCOLAR (1996) foi a da aproximação e até a da mescla de concepções teóricas distintas e mesmo antagônicas, presentes num discurso progressista que transitava entre “várias geografias”, mas que se
ancorava no princípio da aplicabilidade do conhecimento geográfico. Por esse raciocínio, as rupturas [acadêmicas e políticas] foram aparentes e escondiam, de certa forma, “movimentos de revitalização de temáticas e doutrinas da geografia tradicional”.
            
Apesar das ambigüidades e inconsistências epistemológicas passíveis de uma
avaliação crítica, a partir da perspectiva que se pode ter da geografia brasileira na atualidade, a recuperação da obra de Milton Santos no período 1950/60 propicia uma seara de pesquisa auspiciosa para a Geografia Histórica da Bahia, pois também se evidenciou em seus estudos que as regiões da Bahia se apresentam com espaços formados historicamente conforme as fases evolutivas da economia que engendraram processos de exploração e produção que criaram e modificaram as regiões, como na periodização das etapas de formação e evolução da rede urbana do Recôncavo (SANTOS, 1959), de acordo com as formas particulares de interação da sociedade e do espaço geográfico, o que o leva a afirmar, já em 1958, antecipando formulações muito mais atuais, que a grande heterogeneidade regional da Bahia é a expressão geográfica da “história de valorização do território”.

CONSIDERAÇÕES E QUESTÕES

          Em síntese, os estudos de Milton Santos sobre as cidades e regiões da Bahia entre
1950 e 1960 constituem valioso acervo de pesquisa nos campos da geografia regional e da geografia histórica, reveladores das contradições de uma formação socioespacial particular e dos intelectuais que tentavam compreende-la e transformá-la. Entre as questões que o presente artigo coloca para aprofundar esta pesquisa, estão: a) de que maneira o geógrafo Milton Santos interagia, nos planos: político, institucional e intelectual com os diferentes segmentos das elites políticas e culturais da Bahia na década de 1950? b) como tal engajamento suscitou determinadas prioridades e sensibilidades em sua leitura geográfica da realidade baiana da época? c) qual o peso relativo desse universo social baiano no
direcionamento de seus estudos regionais vis-à-vis suas leituras da geografia acadêmica?

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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